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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Passo a passo

        Passava das dez horas e já se percebia o silencio que a noite trás, e mesmo sentindo o cansaço do dia o sono não vinha e rolar na cama estava se tornando exaustivo . A ânsia por algo a se fazer começou a me incomodar, tento ler e não consigo, passo por todos os canais da televisão e não me concentro . Cansada e incomodada,  me levanto, visto um agasalho e tênis confortável e me preparo como sempre faço para uma boa caminhada. Caminhar a noite me ajuda a dormir. Desço a escada, já me sentindo animada: vou caminhar. Penso ate em levar o celular, acho que me daria uma segurança, mas ai me lembro do porque quero caminhar e o deixo sobre a mesa. Penso comigo, se vou para relaxar, para que levar o celular e me expor a sair do meu momento de descanso? Saio. É tarde da noite, mas sinto-me segura. Sempre  ando em uma rota no meu bairro em que a cada meia quadra visualizo um guarda e ate conheço alguns, sempre os cumprimento. Eles me conhecem. A rua deserta estava silenciosa, tão silenciosa que eu conseguia ouvir o ritmado bater do meu coração. Ouvia e sentia e sentia também o suor descer por minhas costas, quente e úmido, conforme acelerava a caminhada . E cada vez mais sentia o prazer que isto  sempre me proporciona. Acelero os passos, observo o céu, as nuvens e ando por um longo tempo e ai percebo que realmente fui mais longe que o habitual. Estranho.
     Estranho ainda não me sentir cansada, sinto como se o tempo não tivesse passado. Sinto. vontade de ir mais longe, de acelerar os passos, de sentir os movimentos, a respiração que agora já está cadenciada, o que já me permite ate correr. Mas tenho que começar a voltar, giro e começo a descer em direção à minha casa. Espanto ao olhar no relógio , já se passaram uma hora então percebo que a volta também será longa .Começo a andar e a acelerar os passos e súbito me assusto. Percebo agora que há um tempo não vejo guardas, não os vi hoje, sumiram todos, entraram nas casas, não vieram? Agora sinto medo e acelero mais os passos. Agora tenho pressa e sei que não posso correr, senão posso me cansar. Porque não peguei o celular? Mas também, a quem chamar? Respiro e penso: calma, você sempre faz este trajeto, sabe-o de cor, pode faze-lo novamente. Percebo que tenho que respirar com mais calma, sinto as pernas cansadas e as mãos formigando. Elas  estão tensas. Respiro longamente e recomeço a andar.
    A noite esta escura e não há viva alma na rua, nem escuto carros. Na escuridão da noite e no silencio que quase posso sentir escuto passos a me seguir e acelero minhas passadas. O som de passos acelerados me assombrou. Sinto-me gelada e assombro-me com o medo a me travar os passos e a me solicitar que corresse ao mesmo tempo. Corri, e corri e corri muito a sentir que o coração já me pulsava na garganta . Quanto mais eu corria, mais eu sentia que os passos que ouvia se aproximavam aceleradamente, me apavorei e queria gritar, mas a voz não saiu. Queria poder sumir, esvair-me em uma nuvem de fumaça como em filmes de super heróis, mas lá no fundo eu sabia que não podia, que isto não ia acontecer. Suava muito e sentia o suor escorrer em meu corpo quente, o medo do que sentia gelava-me as mãos e a alma. Era um medo tão grande  que nem podia nomear.
        Não conseguia pensar, nem me lembrava do porque que tinha que caminhar àquela hora, poderia ter ficado dormindo, mas não deu, não dava, não podia. Há muito tempo já me sentia assim, ou melhor, não me sentia, ia, ficava, saía, voltava, não mais me importava. Nunca tinha medo, porque o medo agora? Nem isso sabia mais responder.
       Voltei a me concentrar nos passos que ouvia e acelerei os meus . Fui sentindo o calor que o medo me dava e o calafrio que me percorria a espinha e que subia ate turvar-me os pensamentos. Eu corria e já não conseguia mais sentir os meus pés, e ai estanquei. O que fazer? Atravessar a praça, num caminho mais curto ou seguir pela rua e enfrentar uma longa quadra sem casas abertas, apenas muros altos e assustadoramente hoje sem guardas. Sem proteção.
      Comecei a correr através da praça e os passos que ouvia se aceleraram atrás de mim, e cada vez os ouvia chegando mais perto e crescia o medo em meu peito, e com o coração acelerado comecei a sentir que não tinha mais cansaço,  tinha sim o sangue a correr nas veias a subir pelas pernas, a me dar um frio na barriga que já não conseguia distinguir e a sentir o corpo todo vibrando com a sensação de flutuar. As mãos já não estavam geladas, mas suavam muito e os arrepios a me percorrer o corpo subiam a minha nuca e me atordoavam. Escutando os passos acelerava os meus e já não tinha mais medo de nada, só sabia que sentia e este sentir me fazia viva de novo. Assustei-me com o que senti e agora que não tinha o medo parei e encarei quem me seguia.   

     O terror do que meus olhos viram trouxeram de volta a minha alma o medo e o frio que subiu pelas minhas pernas, pela espinha e a percorrer meu corpo gelou-me a alma. Fitei o vazio. Fitei apenas o vazio do silencioso escuro da noite. Percebi que fugira dos meus próprios passos.                               
Helene Kantz 2003

Um comentário:

beth krisam disse...

‎"Sete mulheres sentaram-se em círculo. De longe, da sua cidade (...) Ak'abal havia trazido para elas algumas folhas secas, recolhidas ao pé de um cedro. Cada uma das mulheres quebrou uma folha, suavemente, contra o ouvido. "E assim abriu-se a memória da árvore: Uma sentiu o vento soprando junto à sua orelha. Outra, a fronde, que devagarinho, balançava. Outra, um bater de asas de pássaros. Outra disse que em sua orelha chovia. Outra escutou um bichinho qualquer que corria. Outra, um eco de vozes. E outra um lento rumor de passos ."
A árvore que recorda. Eduardo Galeano