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quinta-feira, 29 de março de 2012

Deveres e direitos- a dignidade de uma profissão

• RESPOSTA A UMA NOTA PUBLICADA NA COLUNA "ENTRELINHAS" DO JORNAL GAZETA DO POVO DE CURITIBA, EM 27/03/2012
“Médicos e dentistas que se formam em escolas públicas devem sua formação ao país, não é verdade? Por isso, o governo, por meio do Ministério da Educação, deveria impor aos formandos um tempo obrigatório de atuação junto a comunidades carentes, assim como foi imaginado para os agraciados com os programas de inclusão do governo. Seria uma forma justa de bem atender essas populações.”
(Carta do leitor Juarez Santos, 40 anos, professor na região de Curitiba.)
Prezado Cláudio (Editor da Coluna Entrelinhas):
Há uma cultura dominante em nossa sociedade, no sentido de atribuir ao médico uma obrigatória vocação sacerdotal que não se cobra nem destes, os verdadeiros sacerdotes, nem de nenhuma outra profissão. Sacerdotes naturalmente cobram para batizar, casar e enterrar os adeptos da sua crença. E ninguém os critica por isso.
Mas por que essa fixação com o médico?
A tal cultura dominante inculte na população em geral que esses profissionais devem amor incondicional à sua profissão, e teriam um suposto pacto com o doente, o qual devem, a qualquer custo, honrar sem recompensa material ou remuneratória. Nesta visão, o atendimento médico seria uma obrigação compulsória destes, a partir do momento em que proferem o conhecido "juramento de Hipócrates", do qual certamente muitos falam, poucos leram, e a infinita maioria se leu, pouco entendeu.
Em momento algum o Juramento hipocrático fala que o médico tem que ser um sacerdote mendicante que atende de graça e incondicionalmente seus pacientes. O Juramento é antes de mais nada um libelo Humanista de respeito e reverência ao doente por parte do médico, no qual, em outras palavras, prega-se que o médico deve atender o seu paciente COM AMOR e respeito, mas jamais diz que deve fazê-lo apenas POR AMOR. E, ademais, saliente-se, pelo Código de Ética Médica, o médico pode atender apenas quem ele bem entender que deva atender, sem jamais ser obrigado a isso, por qualquer motivo, excetuando-se unicamente a situação de urgência e emergência, pois isso seria caracterizado como "omissão de socorro".

Então chegamos à carta acima transcrita, do Sr. Juarez Santos.
Vejamos.
Primeiro que médicos e dentistas devem sua formação majoritariamente ao seu esforço e dedicação pessoais, e de sua famílias, pois passaram nos vestibulares mais concorridos e difíceis do pais.
Segundo, que todos os brasileiros, inclusive os estudantes de Medicina e odontologia, e suas famílias, pagam seus impostos, como todos os outros brasileiros, impostos esses que sustentam as escolas públicas onde estudaram, e onde fizeram milhares de horas de atendimento gratuito a pessoas carentes durante a sua formação - muito mais do que qualquer outro estudante, de qualquer outro curso universitário.
Depois, por óbvio, comunidades carentes tem carências diversas.
Lá faltam professores, assistentes sociais, advogados, juízes, promotores, fisioterapêutas, fonoaudiólogos, engenheiros, psicólogos, nutricionistas, e, se formos longe, talvez todas as carreiras universitárias.
As universidades públicas, por sua vez, formam profissionais de todas as carreiras.
Assim, por que o Ministério da Educação deveria impor aos formandos um tempo obrigatório de atuação junto a comunidades carentes, como afirma o missivista, mas somente aos formandos de Medicina e Odontologia?
Não seria uma idéia razoável aceitar que essa obrigatoriedade só deveria existir se fosse isonomicamente extendida para todas e todas as carreiras universitárias ofertadas pelas escolas públicas, e sem exceção alguma, já que todas elas se beneficiariam por ter estudado em tais escolas?
Médico não é sacerdote ou semi-deus.
Médico é um profissional de carne e osso, como todos os outros. E sofre exatamente das mesmas necessidades e gastos da vida moderna que os membros das outras profissões.
Assim, ou todos os egressos das escolas públicas vão, ou que não vá ninguém.

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