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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Olhares...o direito à diferenca

O nosso corpo é sempre um corpo insatisfeito?

As relações que temos com o nosso corpo podem condicionar a nossa auto-estima e a maneira como encaramos a vida.
Atualmente existe um ideal estético que é imposto como padrão, que boa parte das mulheres procura atingirem. É como se todas tivessem que ser parecidas, magras, altas, de cabelos lisos ou alisadas. Quase não há direito a diferença.
O que gera este comportamento? A verdade é que ninguém vive sem ninguém e nós sempre precisamos do olhar do outro. Em uma sociedade que privilegia o prazer imediato, a perfeição do corpo torna-se uma exigência. Então qualquer corpo que se apresente , mesmo que muito bonito embora não totalmente dentro dos padrões estéticos, será sempre um corpo insatisfeito, que reclama ser admirado, reconhecido, amado.
Quando esta sensação leva a sofrimento psíquico, isto afeta a pessoa em sua relação com o mundo, em seu trabalho, socialmente e afetivamente.
É saudável que a mulher se preocupe com o aspecto físico. Mas é necessário harmonia neste cuidado com o corpo, e com a estética.
O essencial é que exista um equilíbrio entre o valor que a pessoa atribui a si próprio e o ficar demasiado dependente do olhar do outro.
Com esta insatisfação fica difícil planejar uma reeducação alimentar e atividade física e atitudes corretas de melhora de vida. Fica mais fácil remédios, dietas rápidas ou correções estéticas não planejadas. Nada contra correções em que se pensa, se programa e se prepara. O incorreto são decisões por oba-oba, vou porque todas vão. Ai nenhuma alteração neste corpo vai preencher a insatisfação e a pessoa sempre necessitara de novas buscas, de novas e radicais modificações .
Este últimos meses me fizeram repensar todo este comportamento de busca da perfeição. Em dois momentos fiquei estupefata.
No primeiro vem a mim uma mãe e pergunta se pode fazer escova definitiva e mechas na filha. A filha é morena clara como a mãe de cabelos levemente ondulados nas pontas e escuro. A mãe tem cabelos alourados por mechas e extremamente lisos. Pergunto : quem quer você ou ela? A mãe se enrola e notei que ela é que quer e finaliza : eu sempre quis , ou melhor e foi se dizendo e contradizendo. Orientei mas acho que vai fazer mesmo assim, toda esta mudança numa criança de 06 anos de idade. Nesta tenra idade já transformada em insatisfeita!
No segundo vem uma mãe , em seu segundo filho, amamentou o primeiro ate 01 ano de idade e neste vem para orientação de desmame, com apenas 05 meses de vida. Porque? Ë simples, me diz, quero o mais rápido possível restabelecer minha auto estima colocando próteses mamarias de silicone e fazendo mais uma lipo.
Duas situações diferente e semelhantes.... e imensamente tristes
Ana Helena

vai aqui um texto que merece ser lido, relido e repensado
Olhares

O direito à diferença

Ouvi de relance.
Duas empregadas numa grande superfície comercial conversavam sobre dietas.
Eram duas jovens na casa dos vinte anos, e falavam com todo o à-vontade de anorexia, dietas favoritas, o numero de quilos que fulana tinha perdido, e de sicrana, coitada, que não conseguia emagrecer por mais voltas que desse.
Via-se que já tinham consumido vários quilos de revistas, que havia por ali muitos olhares angustiados à balança, muitos desesperos nas salas de prova a tentar enfiar umas calças com um numero politicamente correto.
Eram duas jovens sem excesso de peso, com corpo feminino, completamente mediterrânico, diferente dos estranhos corpos extraterrestres das top models. Via-se, sentia-se perfeitamente que as duas jovens não gostavam do corpo que tinham.
Na seção de legumes, ouvi de relance. Dois clientes olhavam para os pepinos expostos. Comentavam que os pepinos curvos já não eram aceites, devido às normas de estandardização da União Européia.
Olhei os pobres legumes, hirtos e cumpridores. De fato, só havia ali pepinos corretos, sem esquisitices, sem exotismos chocantes. Que os pepinos não pensassem que podiam crescer no fofo de uma horta, como lhes aprouvesse, numa luxuria de curvas. Qualquer pepino que não seja fálico e obediente esta destinado ao mais profundo desprezo de uma feira de província.
As maçãs são militarmente iguais. Os tomates. Tudo o que sai fora das normas de tamanho e aparência é implacavelmente rejeitado, posto de lado por ser impróprio para consumo.
Vivemos no delírio da norma absoluta no que toca a aparência. Temos que ser todos iguais com o mesmo peso, o mesmo formato, a mesma sedução. Todos loiros de olhos azuis, de preferência. Detestando o nosso corpo, que existe parolamente, atropelando as medidas de busto, cintura, anca. Ou barriga- ai a barriga.
Toda a indústria ligada à moda, à imagem, às revistas femininas vive disso, incentiva isso, castiga quem não esta conforme as regras do jogo. As adolescentes afligem-se quando o corpo cresce de acordo com as hormonas, as mulheres convivem mal com a sua forma natural, não tem orgulho em si ou na sua individualidade como corpos únicos.
Torturam-se com dietas ou com intenções de dietas. Querem emagrecer magicamente, ou transforma-se magicamente naquilo que não são.
As series de Hollywood, claro, mostram-nos mulheres todas iguais, É difícil lembrar uma cara, uma expressão de olhar, uma mímica com significado. As emoções também se transformaram em plástico , fácil de moldar e reproduzir aos milhares.
A questão esta nesta lógica de consumo, que implica um produto, uma publicidade , e portanto uma norma sobre di que é desejável. OS produtos tem de ser iguais , logo a apetência tem de ser igual. Sejam pepinos, ameixas, carros , vestidos ou seres humanos.
A arte continua a ser apreciada como manifestação e algo unico. Mas esse mundo tem as suas regras próprias: há uma descontinuidade total com o dia a dia. Nenhum de nos pode ser único, diferente, moreno, curvo, expressivo, inigualável.
Mas digam-me por favor, já que a coisa se deu de um modo tão gradual: como, mas como é que nos transformamos em pepinos?

Dra Isabel Cristina Pires – Psiquiatra e sexologista- Portugal

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